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quarta-feira, 3 de julho de 2013

NOTA TÉCNICA - PERDA DO CARGO POR ATO ADMINISTRATIVO


Brasília, 2 de julho de 2013.

NOTA TÉCNICA

Referente à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 53, de 2011, que altera a redação do art. 93 da Constituição Federal para excluir a penalidade de aposentadoria do magistrado, por interesse público e incluir a de demissão administrativa.


A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, a Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra, entidades de classe de âmbito nacional da magistratura da União, cumprindo o seus deveres institucionais de colaborar com o processo legislativo brasileiro, apresentam Nota Técnica pela rejeição da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 53, de 2011, de autoria do Senador Humberto Costa, pelas seguintes razões:


Resumo da proposta
A PEC 53/2011, em essência, preceitua a possibilidade de perda do cargo de magistrado por decisão administrativa. Atualmente a perda definitiva do cargo de juiz ocorre apenas por sentença judicial com trânsito em julgado, nos termos do art. 95, I, da Constituição Federal.


Independência judicial: garantia dos cidadãos.
Com base em discurso de que juízes corruptos deveriam perder o cargo (premissa em relação à qual as signatárias concordam), propõe-se que essa perda se dê por demissão decidida administrativamente (procedimento do qual as signatárias discordam).
A punição de juízes que tenham desvios funcionais ou se corrompam é pressuposto para que as instituições públicas ganhem confiança. Quanto a isso, os juízes federais não têm qualquer objeção. Contudo, ao contrário dos servidores públicos em geral, os magistrados têm em seu exercício profissional características que os diferenciam e, por isso, não podem estar sujeitos à perda do cargo por decisão administrativa.
Os juízes, diferentemente dos demais servidores públicos, são agentes políticos e, desse modo, exercem parcela significativa do poder do Estado, ou seja, o poder de julgar e dizer o Direito. Os juízes processam e julgam causas que, muitas vezes, os colocam contra poderosos grupos políticos e econômicos, e contra agentes da criminalidade. Por essa razão, os juízes possuem a garantia da vitaliciedade (CF, art. 95, I), ou seja, só perdem o cargo por decisão judicial transitada em julgado.
Além de garantir a independência do juiz, a vitaliciedade é uma garantia de imparcialidade, especialmente ao magistrado de primeira instância, que, às vezes, pode decidir contra posições que, no futuro, poderão ser alteradas.
A vitaliciedade – é importante destacar – não é uma garantia da pessoa do juiz, mas da cidadania. A perda do cargo de magistrado preconizada pela PEC 53/2011 significará a relativização dessa vitaliciedade e, por consequência, de uma garantia fundamental dos cidadãos brasileiros.
O CNJ- Conselho Nacional de Justiça, órgão máximo de controle do Poder Judiciário, emitiu a nota técnica n. 12 sobre o tema, cópia anexa, onde assevera que:
A proposta elimina a primeira das garantias de independência da magistratura, consistente em não poder o magistrado perder o cargo senão em virtude de sentença judiciária. Longe de constituir privilégio pessoal, as garantias atualmente asseguradas no artigo 95, I da Constituição Brasileira (vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios) significam prerrogativa da instituição judiciária, visando assegurar ao magistrado a autonomia no exercício de sua atividade.”


Relativizando-se uma das garantias da magistratura, abre-se uma perigosa porta para que excessos eventualmente ocorram. A América Latina, em história recente, mostra a perseguição política contra juízes como algo incipiente em países cuja frágil democracia permite tal prática. Citam-se, como exemplos, a prisão de juíza na Venezuela, a perseguição a juiz na Argentina e a demissão administrativa de juízes hondurenhos que se manifestaram contrários ao golpe de Estado ocorrido em seu país no ano de 2009.
O caminho, portanto, não pode ser esse. Para punir eficazmente um magistrado indigno das suas funções não se pode reduzir qualquer garantia da magistratura. A vitaliciedade é uma garantia constitucional essencial para que o magistrado, no exercício da jurisdição, possa atuar livre das pressões políticas, econômicas e conjunturais.
A alteração pretendida pela PEC 53/2011 encontra óbice constitucional porque as garantias da magistratura (CF, art. 95, I, II e III) contêm limitações materiais implícitas ao poder reformador.
As garantias da magistratura, insertas no art. 95, incisos I, II e III, inserem-se no âmbito das chamadas limitações matérias implícitas ao Poder Constituinte Derivado.
Conforme a Teoria da Constituição há limitações a serem observadas pelo Poder Reformador, podendo ser elas: temporais (período no qual não se permite a reforma da Constituição); circunstanciais (situações que não autorizam a alteração da Constituição, tais como as de intervenção federal, estado de defesa, estado de sítio); as materiais explícitas (constantes do art. 60, § 4º, da Constituição, denominadas de “cláusulas intangíveis ou pétreas”); e as materiais implícitas, que decorrem do sistema adotado, tais como os objetivos fundamentais da República Federativa (art. 3º, I a IV); a inviolabilidade dos Deputados e Senadores (art. 53); a permanência institucional do Ministério Público (art. 127) e de suas garantias (art. 128, I, “a”, “b” e “c”).
No caso da PEC 53/2011, a separação entre os poderes é violada, uma vez que a Constituição deixa claro que “[n]ão será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) a separação dos Poderes” (CF, art. 60, § 4º, III).
O STF – Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o tema, conforme decisão abaixo transcrita:
Sob esse prisma, ascende a discussão ao nível de um dos verdadeiros princípios fundamentais da Constituição, o dogma intangível da separação de poderes (CF, arts. 2° e 60, § 4°, III). Com efeito, é patente a imbricação e a independência do Judiciário e a garantia da vitaliciedade dos juízes. A vitaliciedade é penhor da independência do magistrado, a um só tempo, no âmbito da própria Justiça e externamente – no que se reflete sobre a independência do Poder que integra frente aos outros Poderes do Estado.
Desse modo, a vitaliciedade do juiz integra o regime constitucional brasileiro de separação e independência dos poderes.” (STF, ADI 98/MT, julg. 7/8/1997).


A aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais, na verdade, não é um prêmio. Ela é parte do caminho em direção a uma eventual demissão determinada após o devido processo legal em juízo. Quem é aposentado compulsoriamente não é premiado, eis que desligado da atividade pública, com a pecha que nunca se apagará.
Por outro lado, ainda que mantida a nomenclatura aposentadoria compulsória, ela não representa impunidade. Isto porque cabe ao Ministério Público ou aos órgãos de representação judicial da União ou dos Estados promover a ação com a finalidade de buscar a responsabilidade criminal e/ou cível. O que pode ficar expresso é que, em caso de aplicação de aposentadoria compulsória (ou de afastamento compulsório) de magistrado, o tribunal deverá, incontinenti, encaminhar os autos para o Ministério Público e para o órgão de representação judicial da União ou do respectivo Estado, conforme seja o caso, a fim de que seja promovida a ação pertinente.
Dito de outra forma: não há que se falar em impunidade, uma vez que o sistema não protege da demissão um juiz possivelmente corrupto. Apenas garante, em prol da independência judicial, um mecanismo mais rígido para tanto.
São essas as sugestões que as signatárias encaminham aos Senadores da República, relativamente ao tema em questão, esperando seja rejeitada a PEC 53/2011.

NINO OLIVEIRA TOLDO
Presidente da Ajufe
PAULO LUIZ SCHMIDT
Presidente da Anamatra


NELSON CALANDRA

Presidente da AMB

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