Brasília,
2 de julho de 2013.
NOTA
TÉCNICA
Referente
à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 53, de 2011, que
altera a redação do art. 93 da Constituição Federal para excluir
a penalidade de aposentadoria do magistrado, por interesse público e
incluir a de demissão administrativa.
A
Associação
dos Magistrados Brasileiros – AMB,
a Associação
dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe
e a Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra,
entidades de classe de âmbito nacional da magistratura da União,
cumprindo o seus deveres institucionais de colaborar com o processo
legislativo brasileiro, apresentam Nota
Técnica
pela rejeição da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 53,
de 2011, de autoria do Senador Humberto Costa, pelas seguintes
razões:
Resumo
da proposta
A
PEC 53/2011, em essência, preceitua a possibilidade de perda do
cargo de magistrado por decisão administrativa. Atualmente a perda
definitiva do cargo de juiz ocorre apenas por sentença judicial com
trânsito em julgado, nos termos do art. 95, I, da Constituição
Federal.
Independência
judicial: garantia dos cidadãos.
Com
base em discurso de que juízes corruptos deveriam perder o cargo
(premissa em relação à qual as signatárias concordam), propõe-se
que essa perda se dê por demissão decidida administrativamente
(procedimento do qual as signatárias discordam).
A
punição de juízes que tenham desvios funcionais ou se corrompam é
pressuposto para que as instituições públicas ganhem confiança.
Quanto a isso, os juízes federais não têm qualquer objeção.
Contudo, ao contrário dos servidores públicos em geral, os
magistrados têm em seu exercício profissional características que
os diferenciam e, por isso, não podem estar sujeitos à perda do
cargo por decisão administrativa.
Os
juízes, diferentemente dos demais servidores públicos, são agentes
políticos e, desse modo, exercem parcela significativa do poder do
Estado, ou seja, o poder de julgar e dizer o Direito. Os juízes
processam e julgam causas que, muitas vezes, os colocam contra
poderosos grupos políticos e econômicos, e contra agentes da
criminalidade. Por essa razão, os juízes possuem a garantia da
vitaliciedade (CF, art. 95, I), ou seja, só perdem o cargo por
decisão judicial transitada em julgado.
Além
de garantir a independência do juiz, a vitaliciedade é uma garantia
de imparcialidade, especialmente ao magistrado de primeira instância,
que, às vezes, pode decidir contra posições que, no futuro,
poderão ser alteradas.
A
vitaliciedade – é importante destacar – não é uma garantia da
pessoa do juiz, mas da cidadania. A perda do cargo de magistrado
preconizada pela PEC 53/2011 significará a relativização dessa
vitaliciedade e, por consequência, de uma garantia fundamental dos
cidadãos brasileiros.
O
CNJ- Conselho Nacional de Justiça, órgão máximo de controle do
Poder Judiciário, emitiu a nota técnica n. 12 sobre o tema, cópia
anexa, onde assevera que:
“A
proposta elimina a primeira das garantias de independência da
magistratura, consistente em não poder o magistrado perder o cargo
senão em virtude de sentença judiciária. Longe de constituir
privilégio pessoal, as garantias atualmente asseguradas no artigo
95, I da Constituição Brasileira (vitaliciedade, a inamovibilidade
e a irredutibilidade de subsídios) significam prerrogativa da
instituição judiciária, visando assegurar ao magistrado a
autonomia no exercício de sua atividade.”
Relativizando-se
uma das garantias da magistratura, abre-se uma perigosa porta para
que excessos eventualmente ocorram. A América Latina, em história
recente, mostra a perseguição política contra juízes como algo
incipiente em países cuja frágil democracia permite tal prática.
Citam-se, como exemplos, a prisão de juíza na Venezuela, a
perseguição a juiz na Argentina e a demissão administrativa de
juízes hondurenhos que se manifestaram contrários ao golpe de
Estado ocorrido em seu país no ano de 2009.
O
caminho, portanto, não pode ser esse. Para punir eficazmente um
magistrado indigno das suas funções não se pode reduzir qualquer
garantia da magistratura. A vitaliciedade é uma garantia
constitucional essencial para que o magistrado, no exercício da
jurisdição, possa atuar livre das pressões políticas, econômicas
e conjunturais.
A
alteração pretendida pela PEC 53/2011 encontra óbice
constitucional porque as garantias da magistratura (CF, art. 95, I,
II e III) contêm limitações materiais implícitas ao poder
reformador.
As
garantias da magistratura, insertas no art. 95, incisos I, II e III,
inserem-se no âmbito das chamadas limitações matérias implícitas
ao Poder Constituinte Derivado.
Conforme
a Teoria da Constituição há limitações a serem observadas pelo
Poder Reformador, podendo ser elas: temporais (período no qual não
se permite a reforma da Constituição); circunstanciais (situações
que não autorizam a alteração da Constituição, tais como as de
intervenção federal, estado de defesa, estado de sítio); as
materiais explícitas (constantes do art. 60, § 4º, da
Constituição, denominadas de “cláusulas intangíveis ou
pétreas”); e as materiais implícitas, que decorrem do sistema
adotado, tais como os objetivos fundamentais da República Federativa
(art. 3º, I a IV); a inviolabilidade dos Deputados e Senadores (art.
53); a permanência institucional do Ministério Público (art. 127)
e de suas garantias (art. 128, I, “a”, “b” e “c”).
No
caso da PEC 53/2011, a separação entre os poderes é violada, uma
vez que a Constituição deixa claro que “[n]ão será objeto de
deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) a
separação dos Poderes” (CF, art. 60, § 4º, III).
O
STF – Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o tema,
conforme decisão abaixo transcrita:
“Sob esse
prisma, ascende a discussão ao nível de um dos verdadeiros
princípios fundamentais da Constituição, o dogma intangível da
separação de poderes (CF, arts. 2° e 60, § 4°, III). Com efeito,
é patente a imbricação e a independência do Judiciário e a
garantia da vitaliciedade dos juízes. A vitaliciedade é penhor da
independência do magistrado, a um só tempo, no âmbito da própria
Justiça e externamente – no que se reflete sobre a independência
do Poder que integra frente aos outros Poderes do Estado.
Desse
modo, a vitaliciedade do juiz integra o regime constitucional
brasileiro de separação e independência dos poderes.” (STF, ADI
98/MT, julg. 7/8/1997).
A
aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais, na
verdade, não é um prêmio. Ela é parte do caminho em direção a
uma eventual demissão determinada após o devido processo legal em
juízo. Quem é aposentado compulsoriamente não é premiado, eis que
desligado da atividade pública, com a pecha que nunca se apagará.
Por
outro lado, ainda que mantida a nomenclatura aposentadoria
compulsória, ela não representa impunidade. Isto porque cabe ao
Ministério Público ou aos órgãos de representação judicial da
União ou dos Estados promover a ação com a finalidade de buscar a
responsabilidade criminal e/ou cível. O que pode ficar expresso é
que, em caso de aplicação de aposentadoria compulsória (ou de
afastamento compulsório) de magistrado, o tribunal deverá,
incontinenti, encaminhar os autos para o Ministério Público e para
o órgão de representação judicial da União ou do respectivo
Estado, conforme seja o caso, a fim de que seja promovida a ação
pertinente.
Dito
de outra forma: não há que se falar em impunidade, uma vez que o
sistema não protege da demissão um juiz possivelmente corrupto.
Apenas garante, em prol da independência judicial, um mecanismo mais
rígido para tanto.
São
essas as sugestões que as signatárias encaminham aos Senadores da
República, relativamente ao tema em questão, esperando seja
rejeitada a PEC 53/2011.
NINO
OLIVEIRA TOLDO
Presidente
da Ajufe
|
PAULO
LUIZ SCHMIDT
Presidente
da Anamatra
|
NELSON
CALANDRA
Presidente
da AMB
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